Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Quem é a oposição na Síria?

Atualizado em 30 de agosto de 2013

Quem são os opositores do Presidente Bashar al-Asad no (interminável) conflito na Síria?

Recentemente, temos visto o resultado de violentos combates entre tropas leais ao governo de Bashar al-Asad e grupos militares de oposição.  Desde o início do conflito, Asad tem se referido aos rebeldes como "terroristas", "criminosos", "inimigos da Síria", "agentes do imperialismo" e "marionetes dos Estados Unidos e de Israel".
Em agosto de 2013, grupos de oposição alegaram que Asad utilizou armas químicas contra um subúrbio de Damasco. Esse suposto ataque, ainda sendo investigado por inspetores da ONU, adicionou um novo elemento na crise da Síria. A partir de então, cresceram os rumores de que Estados Unidos, Grã-Bretanha e França atacariam posições do governo sírio. Porém, muitos manifestam críticas a uma ação armada. Dentre os argumentos utilizados pelos que se opõem aos ataques está o fato da oposição síria ser fragmentada e conter entre seus quadros militantes extremistas inspirados pela Al-Qaeda.
Mas afinal, quem é a oposição síria?

Bandeira da oposição síria

A oposição síria é formada por um aglomerado de grupos, organizações, indivíduos e milícias que têm como objetivo comum a derrubada de Bashar al-Asad.

A revolta contra Asad, iniciou-se em 2011 com grandes manifestações de rua exigindo abertura política e expansão de direitos (Ver O que está acontecendo na Síria?). Porém, diante da brutal repressão das forças governamentais, emergiu um movimento armado para derrubar o presidente.

Inicialmente, a oposição política no exílio buscou organizar-se por meio do Conselho Nacional Sírio, um grupo heterogêneo composto por secularistas, opositores liberais de longa data da família Asad e membros da Irmandade Muçulmana. Não foram esses os atores que deslancharam o movimento, mas grupos populares, que com o andamento da revolta se organizaram nos Conselhos de Coordenação Locais.
Durante grande parte de 2011 e 2012 os políticos do Conselho Nacional Sírio divergiam sobre táticas e fundamentos políticos. Sua formação política não ajudava a criar uma base comum entre os membros. O principal racha foi o que opôs os secularistas aos membros da Irmandade Muçulmana. O Conselho Nacional também carecia das bases populares e de contatos com a massa da revolta. Por isso, os apoiadores ocidentais, especialmente Estados Unidos e França, manifestavam desconforto com a não-representatividade do grupo, acusado também de não ter ligação com as milícias rebeldes no interior da Síria.
O Conselho Nacional também sofria intensa oposição do Comitê de Coordenação Nacional, um grupo formado por 13 partidos de esquerda, 3 partidos curdos e por jovens ativistas. Liderado por uma figura política tradicional, Hussein Abdul Azim,  o Comitê de Coordenação Nacional tem duras divergências com o Conselho Nacional Sírio: rejeita completamente qualquer intervenção externa e não coloca como prioridade a derrubada de Bashar al-Asad, abrindo uma possibilidade de transição gradual.
Em 11 novembro de 2012, em Doha, no Qatar, os opositores sírios entraram em negociações e formaram um grupo mais representativo que o Conselho Nacional Sírio: a Coalizão de Oposição Síria. A nova organização é formada por 60 membros, representando tendências políticas no exílio e no interior da Síria. Indicaram para a Presidência uma figura política de consenso, o moderado Moaz al-Khatib. Para serem seus mais próximos aliados, foram indicados dois Vice-Presidentes, Suhair al-Atassi, uma militante que há anos luta pelos direitos das mulheres na Síria e em outras partes do Oriente Médio, e Riad Seif, ex-presidente de uma indústria têxtil. Ambos haviam sido presos em algumas ocasiões por se oporem a Bashar al-Asad. Os líderes da Coalizão afirmam que a organização representa 90% da oposição. Porém, isso é questionável.

Paralelamente às articulações políticas, a oposição tomou a forma armada. Logo que a repressão governamental aos manifestantes começou a produzir centenas de mortos, iniciou-se um processo de deserção entre os quadros militares. Muitos desses desertores levaram suas armas e equipamentos e em julho de 2011 formaram o Exército Livre da Síria, liderado pelo Coronel Riad al-Asaad.
Com a continuidade do conflito armado e com o agravamento da repressão, além dos militares desertores, outros indivíduos e grupos sem experiência militar se juntaram ao Exército Livre da Síria. Além disso,  muitas milícias locais manifestam fazer parte da organização por conta de seu prestígio, mas não são parte da estrutura. Muitos nem mesmo obedecem ao comando central.
Desde dezembro de 2012, o Exército Livre da Síria é comandado pelo Brigadeiro Selim Idriss.
Além disso, há aqueles no interior do Exército Livre da Síria que seguem orientações de dois países da região que anseiam em ver a derrubada de Bashar al-Asad: a Arábia Saudita e o Qatar (ver A internacionalização dos conflitos na Síria). Em muitas ocasiões, essa facção foi acusada de receber armamento de fora e não compartilhar recursos militares com outros grupos no interior do Exército Livre da Síria.
Por outro lado, já está claro que dentre os grupos que lutam contra o governo há grupos jihadistas inspirados pela Al-Qaeda. Favorecidos pela instabilidade que grassa na região após a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, os militantes da Al-Qaeda aproveitam a porosidade da fronteira iraquiana para entrar em território sírio e aí lutar contra um governo considerado apóstata (a família Asad faz parte da minoria Alauíta - Ver A Dinastia al-Asad na Síria). Os jihadistas são os responsáveis por dezenas de ataques contra o instalações do governo, por meio de militantes suicidas ou de carros-bomba.




Estrutura de comando militar e grupos rebeldes armados

É importante, porém, apresentar os grupos militares e sua relação com o comando militar rebelde. É bastante difícil precisar a relação entre os grupos armados e entre os diversos grupos em relação ao comando central, pois a situação é complexa no terreno e as informações são obtidas com muita dificuldade.

Os rebeldes formaram em dezembro de 2012 o Supremo Comando Militar - SCM, coordenado com a Coalizão de Oposição Síria, com o objetivo de unificar os grupos rebeldes em uma única cadeia de comando. No entanto, o projeto não se materializou totalmente no terreno. Muitos grupos lutam por conta própria e não obedecem o comando do SCM.
O SCM é liderado por Selim Idriss, que alega comandar 900 grupos, totalizando cerca de 300.000 rebeldes. Porém, alguns alegam que os grupos não estão totalmente sob o comando de Idriss. Além disso, o grupo possui disparidades internas, com alguns grupos melhor armados e financiados do que outros.
O SCM foi formado para atuar como o Ministério da Defesa de um futuro governo liderado pela Coalizão de Oposição Síria. Foi formado em dezembro de 2012 por 260 líderes rebeldes de todo o país. O Conselho dirigente é formado por 30 representantes eleitos para representar 5 áreas geográficas do país: Leste, Oeste/Centro, Norte, Sul e o Distrito de Homs.

Principais grupos afiliados:

Exército Livre da Síria - ELS: É o maior grupo opositor. Estima-se que 50.000 rebeldes lutem dentro de seus quadros, mais um número desconhecido de rebeldes que atuam em várias pequenas localidades. Formado em junho de 2012 com o objetivo de lutar contra o regime de Asad, após a dura repressão governamental contra os manifestantes que pediam reformas democráticas, está ligado mais fortemente à Coalizão de Oposição Síria e age em coordenação com os líderes políticos exilados. Seus líderes alegam que é um grupo não-sectário. É composto por grupos ideologicamente mais moderados, com objetivo de organizar milícias locais. Embora seja retratado em muitos meios de comunicação como "a" oposição armada síria, o ELS é apenas um dos grupos em atuação contra Asad.

Frente de Libertação Síria - FLS: O grupo é uma aliança formada por cerca de 20 brigadas e batalhões que atuam em toda a Síria. A FLS tem um número estimado de 37.000 rebeldes, atuando principalmente no Sudeste do país. Alguns analistas incluem a FLS entre os grupos jihadistas em atuação na Síria, já que é formado por islamistas e também é chamado de "Frente Islâmica de Libertação Síria". Contudo, seus membros têm demonstrado que são islamistas moderados e a relação entre a FLS e o SCM parece indicar que eles tendem a obedecer o comando rebelde central. Embora, por vezes, critiquem o comando do SCM, seus membros alegam agir em conjunto com o comando central. O grupo é apoiado e financiado pela Arábia Saudita.

Frente Islâmica Síria - FIS: Grupo formado em dezembro de 2012, composto de 11 brigadas. Sua criação foi uma iniciativa do grupo Kataib Ahrar ash-Sham, um grupo salafista. O grupo não é tão extremista quanto os grupos inspirados pela Al-Qaeda, mas é mais religiosamente orientado do que o ELS e a FLS. Alguns líderes afirmam que seu objetivo político é derrubar Asad e instituir um governo inspirado pela Shari'a, a lei islâmica. Os laços com o SCM não são fortes, mas há inúmeros casos de cooperação e há sinais de que obedecem o comando central. Estima-se que tenha um contingente de 13.000 rebeldes, atuando principalmente nos subúrbios de Aleppo e em Idlib.

Além disso, o SCM também é composto por brigadas independentes e por conselhos militares regionais


Grupos externos ao SCM:

Jabhat (Frente) an-Nusra - JN: Entre os grupos rebeldes que não se afiliaram ao SCM está a Frente Nusra, um grupo que alega inspiração na Al-Qaeda e é considerado terrorista pelos Estados Unidos. o grupo tem aproximadamente 6.000 combatentes entre seus quadros, muitos dos quais são jihadistas vindos do Iraque e do Norte da África. A Frente Nusra se aliou ao grupo chamado Al-Qaeda no Iraque, união que formou a chamada "Al-Qaeda no Iraque e no Levante".

Grupos curdos: Os curdos são um grupo etnicamente distinto dos árabes. Eles formam aproximadamente 9% da população síria, vivendo no Norte e Nordeste do país. Os curdos não entraram na rebelião até que a situação explosiva se espalhou para sua região. Muitos habitantes curdos fugiram para o Iraque, já que o norte do território iraquiano é uma área autônoma curda. Em 2012 formaram-se as chamadas Unidades de Defesa do Povo Curdo, que se uniu a outros grupos rebeldes na luta anti-Asad em Aleppo. Os curdos têm frequentemente entrado em combate também contra membros da Frente Nusra.

Grupos independentes: Há outros grupos que agem independente dos grupos citados acima. Não se sabe ao certo o número de combatentes, mas sabe-se que são dezenas de milhares atuando em várias partes do país. Alguns deles chegaram a se aproximar do ELS ou mesmo do SCM, mas mantêm sua independência. O principal grupo em atuação de forma independente é a Brigada Ahfad ar-Rasul. Estima-se que seus membros sejam cerca de 15.000. São financiados pelo Catar.

Diante da fragmentação e das divergências no seio da oposição, há muita incerteza na comunidade internacional sobre o futuro da Síria caso Bashar al-Asad seja de fato derrubado. Graves riscos são apontados por analistas internacionais: a possibilidade do país tornar-se um Estado falido (similar à Somália), com cada facção dominando uma porção de território; a possibilidade de uma guerra civil entre os grupos que haviam lutado juntos contra o governo de Asad (já que as diferentes facções possuem milhares de armas à sua disposição); a possibilidade de conflito confessional entre os diferentes grupos étnicos e religiosos (muçulmanos sunitas, alauítas, cristãos, curdos); a possibilidade do país tornar-se um santuário para jihadistas, que podem se unir a jihadistas de outros países; a possibilidade de uma "guerra civil regional", engolfando Líbano, Jordânia, Turquia e Iraque; sem falar nas tensões com Israel, que podem ser revigoradas; dentre outros cenários catastróficos.
Por fim, resta a esperança de que a Síria possua um futuro mais promissor do que muitos estudiosos apontam. Contudo, Egito e Líbia mostram que uma transição democrática é dolorosa e gradual.

Ver também:

Um comentário:

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