Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

sábado, 1 de dezembro de 2012

O reconhecimento do Estado da Palestina na ONU

No dia 29 de novembro de 2012, um evento importantíssimo ocorreu na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, algo que terá significativos desdobramentos para a Questão da Palestina. A Palestina, antes classificada na ONU como "Entidade Observadora", formada por "Territórios Palestinos Ocupados", foi reconhecida como Estado Observador Não-Membro. A resolução A/67/L.28 "reafirma o direito à auto-determinação do povo palestino e à independência em seu Estado da Palestina no território palestino ocupado desde 1967". Ou seja, a resolução prevê a criação de um Estado palestino independente formado pela Faixa de Gaza e pela Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como capital.
Em uma esmagadora vitória, 138 países votaram a favor, 9 contra e 41 Estados Membros se abstiveram.
Mas, efetivamente, qual a importância desse novo evento?



Em primeiro lugar, o resultado da votação foi extremamente simbólico. 138 países enviaram uma clara mensagem ao mundo, afirmando inequivocamente que reconhecem a Palestina como "Estado" e não apenas como um aglomerado de territórios sob ocupação militar. A força moral da causa palestina foi explicitada diante do mundo, sobretudo porque ocorreu no mesmo dia em que, 65 anos antes, ocorreu a votação da Resolução 181 na Assembleia Geral da ONU, dividindo o Antigo Mandato da Palestina em um Estado árabe e outro judeu (ver O que é a Questão Palestina? parte 1).
Antecipadamente já se sabia que a aprovação da resolução na Assembleia Geral não seria nada difícil. Precisando apenas de uma maioria simples e com o regulamento determinando a igualdade de todos os Estados Membros, os palestinos já sabiam o resultado. Como a maioria dos Estados Membros da ONU é formada por países do mundo em desenvolvimento, tradicionalmente simpáticos à causa palestina, o que ainda precisava ser conhecido eram o placar e como importantes Estados da Europa votariam. É de se destacar que antes da votação, alguns países europeus já haviam declarado voto, como França, Espanha, Portugal, Dinamarca e Suécia.
O apoio desses Estados europeus foi muito importante para legitimar a causa palestina, pois ficou demonstrado que não apenas as "ex-colônias" e os países considerados "subdesenvolvidos" apoiam a criação de um Estado palestino. Além disso, os Estados que compõem os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) votaram todos favoravelmente. Algo significativo, devido à força crescente que esses países desfrutam na politica internacional.
Além do voto favorável à proposta apresentada pelos palestinos, muitos Estados importantes no cenário internacional atual foram co-patrocinadores da resolução, dentre eles o Brasil. Aliás, o Brasil foi atuante no processo. O governo brasileiro já reconhecera a Palestina nas fronteiras de 1967 ainda durante o governo Lula e a Presidente Dilma Rousseff seguiu essa linha. Na atual votação, o Brasil fez um esforço de convencimento para que outros países latino-americanos votassem favoravelmente. Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai e Venezuela estão entre os países da América Latina que votaram a favor.
Talvez ainda mais importante, o resultado da votação mostrou claramente o crescente isolamento de Israel e dos Estados Unidos.  Além desses dois países, votaram contra a resolução apenas Canadá, República Checa e os inexpressivos Panamá, Nauru, Palau, Ilhas Marshall e Micronésia.
Muito importante também foram as abstenções. Estados tradicionalmente alinhados com as políticas dos Estados Unidos, ao invés de votarem contra, como queria Washington, preferiram se abster. O caso da Grã-Bretanha é exemplar. Na América Latina, a Colômbia foi a grande surpresa. Já a Alemanha, que possui laços com Israel e é muito sensível em relação à Questão da Palestina por conta do Holocausto, também se absteve. Com isso, esses Estados disseram que, embora julguem mais proveitosa a negociação bilateral, não podem votar contra o que consideram um direito dos palestinos.
Dessa forma, a legitimidade do Estado da Palestina no cenário internacional é incontestável.


Mais polêmicos, contudo, são os efeitos práticos de tal evento. Muitos analistas são céticos quanto aos resultados de tal votação, já que, embora reconhecido internacionalmente, o Estado ainda não foi criado e Israel continua a ocupar (e a colonizar) a Cisjordânia. Além disso, a Palestina não é um "Estado Pleno". Para que os palestinos consigam esse status, o pedido deve ser aprovado no Conselho de Segurança. Em 2011, a Autoridade Palestina fez tal solicitação, mas os Estados Unidos, com poder de veto, anunciaram previamente que vetariam.
Com efeito, o próprio Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, afirma que a aprovação da resolução é apenas um primeiro passo e que a criação do Estado da Palestina só terá efeito mediante negociações com o governo de Israel.
Na verdade, Abbas tomou essa atitude para salvar a solução de dois Estados (ver O que é a Questão Palestina? Parte 3). O governo israelense continua construindo assentamentos judaicos na Cisjordânia e continua a povoar Jerusalém Oriental com população judaica. A continuar nesse ritmo, daqui a alguns anos, Israel terá um fato consumado demográfico e alegará que não há mais possibilidade de Israel deixar a Cisjordânia. Contra isso, Abbas foi à comunidade internacional para tentar obrigar Israel a paralisar a construção de colônias. Porém, Israel ainda é o lado forte da relação, sobretudo porque, politicamente, tem o apoio irrestrito dos Estados Unidos.
No entanto, não há dúvidas que os palestinos terão um trunfo nas negociações com os israelenses. Ao terem reconhecida sua condição de Estado, os palestinos poderão recorrer ao Tribunal Penal Internacional, embora isso não seja automático. Para ingressar como signatário da Declaração de Roma (que instituiu o Tribunal), os palestinos deverão passar pelo devido processo. Mas, uma vez signatários do Tratado, os palestinos poderão, por exemplo, acusar os israelenses de crimes de guerra, o que, se julgado assim pelo Tribunal, poderá ocasionar até mesmo a prisão de governantes israelenses em viagens ao exterior.
Além disso, os palestinos poderão processar os israelenses por colonizar um Estado ocupado, pelo fato de Israel continuamente construir colônias judaicas na Cisjordânia ou aumentar as existentes (ver O que é a Questão Palestina? Parte 3). Perante a Quarta Convenção de Genebra, um Estado ocupante não pode colonizar o Estado ocupado com sua população. Como a Cisjordânia era considerada "Território Ocupado", os israelenses não consideravam suas ações ilegais, afirmando que esse território era uma "área em disputa". Agora, tal argumento perde validade diante da noção de que Israel ocupa um "Estado" e não mais um "Território". Isso pode fazer com que os palestinos tenham um poder de negociação maior com os israelenses.
Outros analistas são céticos pelo fato dos palestinos ainda estarem divididos internamente. Por um lado, o Hamas, que controla a Faixa de Gaza; de outro, a Autoridade Palestina (liderada pelo Fatah) controlando as áreas autônomas da Cisjordânia. Contudo, o curioso é que o Hamas expressou apoio à proposta na ONU. Tal declaração foi surpreendente, demonstrando uma postura pragmática do Hamas (ver Quem é o Hamas?). Até então contrários à proposta, já que prevê um Estado Palestino nas fronteiras de 1967, o Hamas e outras facções militantes atuantes na Faixa de Gaza demonstraram que poderiam aceitar um Estado palestino na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, ao invés de requerer todo o território de Israel/Palestina, como diz suas cartas oficiais. Tudo indica que o Hamas não quis ser "atropelado" pelos acontecimentos, diante do grande apoio que a ação de Mahmoud Abbas teve entre os palestinos. Talvez, o Hamas e outros grupos possam adotar um caminho exclusivamente político e se alinharem à Autoridade Palestina para formar um governo de união nacional. Contudo, isso é incerto.

A aprovação da resolução foi um evento divisor de águas na longa e persistente Questão Palestina. Porém, só os próximos acontecimentos nos dirão se a esperança se concretizará.



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