Diariamente, somos bombardeados por informações vindas de todos os lados. Recebemos notícias, indicadores, análises, e prognósticos que chegam dos cinco continentes. Apesar da enormidade de informações, quase sempre nos vemos incapazes de compreender o que ocorre. Este blog pretende ser uma contribuição para entender esse mundo complexo. É claro, não tem a pretensão de ser um oráculo, que dê conta de tudo o que ocorre no mundo, mas uma busca incessante de entender o que acontece à nossa volta.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Lei e política no Egito


Nos últimos dias, o Presidente do Egito Mohammed Mursi emitiu um decreto que lhe concede imensos poderes. A isso se seguiram veementes protestos de rua no Cairo, ataques a escritórios da Irmandade Muçulmana, condenações de ativistas, partidos políticos rivais e de grupos de mídia, bem como levantou preocupações na comunidade internacional.
Mas, afinal, o que está em jogo nessa medida presidencial?


Em 23 de novembro de 2012, o Presidente egípcio Mohammed Mursi emitiu um decreto que expandia os poderes do Presidente, em detrimento da Suprema Corte Egípcia.
Os pontos mais polêmicos do decreto são:
  • A Suprema Corte não poderá anular as determinações legais emitidas pelo Presidente;
  • A Suprema Corte não poderá dissolver a câmara alta do parlamento, dominada pelo Partido da Liberdade e da Justiça, agremiação do presidente e representante da Irmandade Muçulmana (a câmara baixa havia sido dissolvida em 14 de junho de 2012);
  • O Mandato do Procurador-Geral de Justiça deverá ser de, no máximo, quatro anos; e
  • Os processos de julgamento de Hosni Mubarak e de políticos ligados ao ex-presidente serão reabertos.
Esses quatro artigos são de fundamental importância na nova configuração política do Egito. Embora o Presidente tenha dito que tal medida era emergencial, tendo como objetivo garantir a continuidade da "revolução", o decreto toca em aspectos políticos cruciais para o futuro político do país. 
Em primeiro lugar, o Presidente se atribuiu o poder máximo do país, ao não estar mais limitado pela Suprema Corte. Tal medida indica um retrocesso no processo de democratização, já que um dos pilares do sistema democrático é a existência de um Poder Judiciário independente, livre e apto a julgar mesmo o Chefe de Estado (no Brasil, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal - STF tem a atribuição de julgar o Presidente em casos de crimes comuns). Além disso, em países democráticos, a Suprema Corte é a guardiã da Constituição, considerada a  lei máxima. Com isso, pode invalidar leis que estejam em desacordo com a Constituição. No caso do Egito, o Presidente poderá, por meio do novo decreto, emitir marcos legais inconstitucionais, ferindo, portanto, um dos mais importantes princípios democráticos.
Na verdade, apesar dos discursos jurídicos, a disputa no Egito é política. Mursi tenta com essa medida superar os obstáculos às ações políticas e administrativas que vem tentando implementar no Egito desde que tomou posse, em junho de 2012. Muitas ações do Presidente foram consideradas ilegais pela Suprema Corte. Contornando essa dificuldade, Mursi poderá governar com maior liberdade, o que abre perigos para grupos de oposição, que o acusam de adotar um marco legal mais ditatorial do que o praticado pelo seu antecessor e por ser um "moderno faraó".



Mursi tenta enfraquecer a Suprema Corte, que ainda tem entre seus membros juízes indicados pelo presidente deposto, Hosni Mubarak. São magistrados ligados às Forças Armadas e que fazem oposição a Mursi. Políticos ligados ao presidente afirmam que as decisões da Suprema Corte são políticas e não jurídicas.
Além disso, ao impedir que a Suprema Corte dissolva a câmara alta do parlamento, dominada por seu partido, Mursi tenta garantir que a nova Constituição (ainda em processo de elaboração) contenha determinações mais afeitas às políticas defendidas pela Irmandade Muçulmana. Já que a câmara baixa, também com maioria do seu partido, já havia sido dissolvida pela Suprema Corte, Mursi tenta evitar que o mesmo aconteça na câmara alta.
Mursi também busca, com esse decreto, enfraquecer a figura do Procurador-Geral. Ao limitar o mandato para quatro anos, abre a possibilidade de que consiga indicar um juiz mais próximo a ele e favorável a políticas defendidas pelo presidente.
E, por fim, ao determinar que o processo contra Hosni Mubarak seja reaberto, Mursi tenta um julgamento mais severo. Mursi e políticos próximos acusam a Suprema Corte de atenuarem a pena dos réus, já que alguns juízes foram indicados pela pessoa que devem julgar.
Por conta de todos esses aspectos, a instabilidade no Egito se acentuou nos últimos dias e o futuro político do Egito ainda é uma incógnita.

Um comentário:

  1. Olá Luiz, tudo bem?
    Sou repórter da revista Bastião, uma publicação independente de Porto Alegre.
    Estamos realizando uma reportagem sobre o islamismo, buscando desconstruir os preconceitos e suas origens.
    Li teu artigo sobre o islã nos livros escolares e me interessei muito (http://seer.ufrgs.br/CadernosdoAplicacao/article/view/12887/11253)
    Gostaria de saber se poderíamos utilizá-lo como fonte com os devidos créditos.
    Se tiveres interesse, podes mandar um e-mail pra bastiao@bastiao.net e conversamos melhor.
    Confere nosso trabalho no www.bastiao.net.
    Obrigado,
    Gabriel Rizzo Hoewell

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