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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A internacionalização dos confrontos na Síria

Atualizado em 6 de junho de 2013

Assim como ocorreu no Líbano entre as décadas de 1950 e 1990, a Síria hoje vive em uma guerra civil em que se confrontam não apenas os grupos internos, mas também as tendências políticas regionais. A Crise na Síria foi internacionalizada e o território sírio tornou-se, assim, um campo de batalha regional.
Após alguns casos militares emblemáticos, como a derrubada de uma aeronave do governo, fica claro para diversos analistas que o chamado "Exército Livre da Síria" (ELS) está sendo armado por atores externos. Isso requer uma análise um pouco mais aprofundada sobre a política regional do Oriente Médio e os desequilíbrios causados pela "Primavera Árabe".



O Oriente Médio da primeira década do século XXI continha, de maneira geral, um arranjo geopolítico delineado. De um lado, havia os atores pró-Ocidente: Israel, Arábia Saudita, Egito, Turquia, Jordânia, Estados do Golfo, Iraque (pós-invasão americana), Kuwait, o Fatah palestino e alguns grupos libaneses - aliados dos Estados Unidos e da União Europeia; de outro, os atores anti-Ocidente: Irã, Síria, Hizbollah libanês e o Hamas, na Palestina - atores, em um nível político global, próximos à Rússia e à China.
Após as revoltas que derrubaram governos e os casos em que o destino político ainda está em aberto (como a Síria, Bahrein e Egito), a divisão geopolítica tornou-se mais confusa. O Egito ainda não se definiu claramente sobre Israel e Estados Unidos. A oposição na Síria é fragmentada e diversificada e nada garante que um governo pós-Asad será orientado para o Ocidente. O Hamas retirou seu apoio ao governo Asad e se aproximou do Catar, um ator com grande grau de autonomia diplomática.
No nível global, ainda que os Estados Unidos não esperassem o levante popular na Síria, por conta de sua posição internacional tiveram que pressionar Bashar al-Asad a pôr fim ao massacre de civis. Como isso não ocorreu, norte-americanos e europeus iniciaram uma onda de sanções econômicas com vistas a debilitar o governo e a impedir a aquisição de armas pesadas. Porém, a Rússia continua vendendo armas para o regime de Bashar al-Asad, enquanto o Irã continua e conceder importantes empréstimos para o governo sírio.
Para contrabalançar o poderio militar governamental, países como Arábia Saudita e Catar começaram a armar o ELS. Armas pesadas, inclusive com baterias anti-aéreas foram fornecidas para a oposição, o que possibilitou que o ELS avançasse sobre Alepo e Damasco, as duas cidades mais importantes do país e com maior poderio militar do governo. A Rússia anunciou em maio de 2013 que forneceria baterias anti-aéreas para a Síria, impossibilitando a eventual criação de uma zona de exclusão aérea, como ocorreu na Líbia. Os Estados Unidos declararam que ajudam a oposição, porém, não com armas. Segundo o Departamento de Estado americano, Washington tem fornecido equipamentos de comunicação. Nos últimos meses, tem se intensificado a tendência dos Estados Unidos de passarem a fornecer armamentos aos rebeldes. Por outro lado, há fortes indícios de que militantes extremistas saídos do Iraque e do Afeganistão tenham se infiltrado na Síria.Tudo isso possibilitou também que o ELS ocupasse e controlasse efetivamente nacos de território sírio. Tal configuração de poder foi tomada como critério por analistas militares para configurar a crise na Síria como "guerra civil" e não mais como um levante.



Diversos atores participam da guerra civil na Síria porque muito está em jogo nesse conflito. Para o Irã, significa a perda de seu mais importante aliado no Oriente Médio e que um governo pró-Ocidente poderia emergir na sua fronteira, o que poderia ajudar Estados Unidos e Israel. Porém, Israel também está apreensivo com os possíveis resultados do conflito. Ainda que se declarasse manifestamente inimigo de Israel, Bahsar al-Asad nunca tomou ações substanciais para retomar as Colinas de Golã, território ocupado por Israel na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967. Um governo hostil, de tendência islamista ou outra, poderia desequilibrar a situação militar na fronteira e levar a uma nova guerra entre Israel e Síria. Além disso, israelenses temem que o grande arsenal de armas químicas sírias caia em mãos de terroristas que desejam atacar Israel. O Hizbollah teme, com a queda de Asad, a perda de uma fonte de apoio militar e político. Em maio e junho de 2013, o grupo xiita libanês participou ativamente dos combates na estratégica cidade de al-Qusayr. Já a Rússia teme perder sua última base militar no Mediterrâneo, na cidade de Latakia.
Se há quem perca ou tema a queda de Asad, há outros atores regionais que esperam ansiosamente por uma mudança de regime na Síria. Arábia Saudita, Jordânia e Catar são países adversários de Asad, que ganhariam uma nova influência regional se houvesse um enfraquecimento do poderio político e militar da Síria e de seu aliado Irã.
Por tudo isso, a guerra civil na Síria se complexifica e se torna mais sangrenta com o grande afluxo de armas. Governo e oposição são acusados de violações de direitos humanos. E a perda de vidas se torna mais elevada. O resultado da guerra civil na Síria ainda não pode ser afirmado com certeza. Porém, o que se sabe é que a política regional não será a mesma depois do desfecho do sangrento confronto sírio.

2 comentários:

  1. "havia os atores pró-Ocidente: (...), Iraque (pós-invasão americana)..." - seria "pré" ao invés de "pós", não?

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    1. Olá, amigo leitor. Obrigado pelo comentário.
      Nesse trecho da postagem, eu me refiro ao Iraque após a derrubada de Saddam Hussein, que resultou na subida ao poder de um grupo político (teoricamente) aliado dos norte-americanos. Antes disso, o Iraque fazia parte do grupo anti-Ocidente no Oriente Médio. Desde 1990, com a invasão do Kuwait, Saddam Hussein se tornou um adversário das potências ocidentais, especialmente dos Estados Unidos. De fato, esse trecho pode gerar confusões, pois o Iraque foi aliado dos Estados Unidos durante a guerra Irã-Iraque. Mas após a invasão do Kuwait, a relação se quebrou.

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